Um professor é colocado em 75 escolas simultanemente (não é gralha, nem
hipérbole, vinha no jornal). Pequenino problema. Mas como, estupidamente, a lei
não permite a acumulação dos 75 postos de trabalho (privilégio reservado a geniais
admistradores de empresas e a imparciais deputados juristas) e o docente também
não invocou o direito ao uso do dom da ubiquidade (por coincidência, um direito
apenas reconhecido a geniais administradores de empresas e a imparciais deputados
juristas), apenas uma vaga ficará preenchida. Ficaria, porque aparentemente o
dito professor já desistira do concurso, tendo mais do que uma vez informado a
tutela, por ter encontrado emprego numa das ilhas atlânticas.
Pequeno problema? Nem por isso. Escolas e alunos terão simplesmente que
aguardar por novo “procedimento concursal”, que usará seguramente as regras do
anterior e deverá, portanto, permitir um “normal arranque do ano letivo”, após
decreto governamental a declarar que o ano letivo, oficialmente, não começa
antes da Páscoa de 2015 (ou 2016, porque um ano é apenas de 1,25% do tempo de
vida de alguém que chegue aos 80 e, portanto, tem pouco significado).
Estes soluços de setembro/outubro foram a melhor coisa que poderia
ter acontecido aos alunos das escolas bafejadas com os efeitos da implosão programada
do ministério. Finalmente regressou a exigência do ensino há tantas décadas perdida
e as crianças vão poder adquirir de novo as competências essenciais à
sobrevivência numa sociedade ferozmente competitiva (principalmente se a competição
for por subsídios do Fundo Social Europeu destinados a tecnotretas ou ONGs espertinhas): como evitar um murro nos queixos; como pregar uma rasteira ao
puto dos óculos; como rematar uma bola contra as janelas da sala de
professores; como pular o muro da escola para ir charrar na esquina do McDonald's;
como forjar a assinatura do encarregado de educação; como escrever uma cábula
nas coxas para os testes mesmo difíceis; como ensinar a mãe a parecer
adolescente outra vez para ir fazer os exames nacionais com o BI da filha.
Enfim, apenas alguns exemplos do currículo quase infinito deste curso nuclear
da verdadeira escola que o ministério, sábia e corajosamente, mas perante a
incompreensão quase generalizada, em boa hora decidiu pôr em prática.
Já antes disto, o ministro felizmente matemático, cujo ministério criara
uma fórmula de cálculo para ordenação de professores que somava os resultados
da primeira liga de futebol com resmas de fraldas descartáveis e dividia por
dois, parecera ligeiramente surpreendido com o facto de os resultados serem um
nadinha absurdos. Igualmente apanhado à traição pelo facto de ter havido casos
de dois professores colocados numa única vaga, o ministro felizmente versado na
morfologia e semântica do idioma materno, apareceu contrito e, como penitência,
desatou a conjugar o verbo manter, procurando manter a compostura.
Depois de tudo devidamente “esclarificado”, o ministério procederá às
compensações devidas aos professores afetados. Segundo fonte próxima do
ministro (ou segundo um residente em Fonte Boa dos Nabos, no concelho de Mafra,
que também é relativamente próximo), o ministério prepara-se para oferecer uma
caravana com lugar para quatro pessoas a todos os professores em “mobilidade” que
andem a caminho das escolas onde podem, poderão, ou poderiam ficar colocados. Os
ditos atrelados serão ainda equipados com computador portátil e ligação móvel à
internet, por forma a permitir que os docentes sujeitos aos “procedimentos concursais”
à la minuta estejam permanentemente ligados às plataformas do sítio do
ministério e, mediante uma divisão de trabalho por turnos com o cônjuge
desempregado e um ou dois filhos em idade escolar (e sem professor nas escolas
respetivas), possam preencher os formulários e aceitar colocações.
Professora em mobilidade vintage |
Este regime facilitado de itinerância resolve vários problemas de uma vez
só (a começar pelos da empresa fornecedora das caravanas, que se encontrava em
processo de insolvência) mas principalmente o problema de habitação dos
professores que habitualmente se viam obrigados e arrendar quartos ou apartamentos,
pagando as respetivas cauções, após aceitarem horários numa escola da qual
poderiam ser despedidos 48 horas depois, não obstante garantias de que lá
ficariam, apesar de não haver para eles horário nenhum. Dividir turmas de 30
alunos em duas estaria fora de cogitação, uma vez que violaria uma média
aritmética gira e conduziria inevitavelmente à obesidade do corpo docente por
falta de exercício dos membros inferiores e das cordas vocais. Além disso, com
turmas de 15 alunos corria-se o risco de poder mesmo dar aulas práticas de
línguas ou de ciências, o que era capaz de desgastar desnecessariamente o
material e é contrário às melhores práticas dos liceus nacionais das décadas em
que vivem os nossos visionários caranguejos.
Engraçado mesmo é que não ouvi piar muitos dos passarinhos que no ano
passado cairam dos seus poleiros morais em voo picado sobre os professores em
greve que tanto mal faziam às criancinhas inocentes.
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