02 abril, 2013

Será que preciso de mais um livro?

Os livros são um produto de primeira necessidade para os cidadãos portugueses, como facilmente se constata observando as longas filas de clientes que se formam às portas das imensas e bem recheadas livrarias deste país, de norte a sul e ainda nos arquipélagos atlânticos, incluindo o das Berlengas. Fazem lembrar as filas para comprar pão e leite no já distante ano de 1975.

Neste período de apertos, porém, até os mais ávidos dos muito vorazes leitores em que os portugueses se transformaram (nos meus sonhos da noite passada), podem hesitar na hora de decidir entre comprar ou não comprar mais um livro (ou sete).

Foi para os ajudar nesse dilemático momento que transportei para esta página um sofisticado esquema que torna o processo muito simples. Comigo resulta sempre!



 Não têm nada que agradecer.

01 abril, 2013

O acordo ortográfico é inútil, mas inofensivo. Agora, descontraiam!


A exaltação com o acordo ortográfico, que há muito deveria ter entrado em vigor em todos os países de língua oficial portuguesa, mas não entrou, parece uma interminável tempestade em copo de aguardente. Mas não é apenas a falta de sobriedade que caracteriza o argumentário expendido, sobretudo pelos rezingões que passiva ou ativamente resistem à adoção do perigoso documento. A qualidade intelectual e científica da discussão deverá ficar para a história da cultura portuguesa como o equivalente contemporâneo dos debates teológicos medievais sobre o número de anjos que poderiam dançar na cabeça de um alfinete. 
  
Fez-se o acordo em nome de uma uniformização que favoreceria a compreensão mútua e fortaleceria a posição do português enquanto língua internacional. Ora, para os falantes de qualquer das variedades, a ortografia era um inimigo tão terrível como um exército de liliputianos armados com ovos de codorniz. Já do ponto de vista de qualquer estrangeiro que não conheça a língua em grande profundidade, as mudanças não serão mais visíveis do que uma caganita de mosca no fundo de um poço às escuras. Alguém ia ficar ofendido com a presença de uma consoante muda aqui ou ali? (“Minha senhora, não se incomode, assim calada até gostamos mais de a ouvir”). E alguém vai agora dar pela sua falta? Só se tiverem muito pouco que fazer, preocupações bem mesquinhas ou uma visão muito distorcida da importância fonética de um vestígio etimológico.



Para ser breve, faço apenas uma quase lista das principais razões por que acho o acordo inútil, mas inofensivo. Não há convergência entre variedades de uma língua se não houver contacto entre elas. O tipo e a frequência do contacto são também fatores determinantes. Em situações de contacto, há sempre uma variedade dominante, mas a convergência entre as variedades em contacto não significa uniformização. Essa convergência parcial ocorre naturalmente na pronúncia (por neutralização de traços mais marcados) e ainda no léxico e, talvez em menor grau, na gramática. A ortografia só seria um obstáculo se as diferenças fossem impeditivas da compreensão dos textos. Portanto, apenas na comunicação escrita. Ora, essas diferenças nunca antes impediram que em português nos entendêssemos, nem deixariam de o fazer simplesmente em virtude do acordo, que consente ainda bastante variação.

As diferenças lexicogramaticais são bem mais significativas e potencial, ou pontualmente, impeditivas da comunicação. Isto porque são também diferenças de significantes e é para produzir significados que falamos e escrevemos. Ora, como as questões lexicogramaticais não podem ser objeto de legislação avulsa, e resistem mesmo à codificação em gramáticas prescritivas – que por cá se insiste em fazer, sem cuidar de exaustivamente descrever a língua que efetivamente falamos – acordos ortográficos são meros exercícios de impotência perante um fenómeno natural, uma espécie de dique de papel contra um tsunami. As reações a esse arranjo meramente decorativo, por seu lado, sobretudo as dos prolixos abencerragens que habitam a filologia do século XIX, atingem proporções de um absurdo quixotesco. Bastaria ler com alguma atenção as reações a anteriores reformas e acordos para se perceber a triste figura que estes cavaleiros ranzinzas hoje fazem. Vá lá, descontraiam! 

Instantes

1   Diziam, pela calada agonia dos instantes que eram mudos.   Julgavam-nos pela constância infinita das lamentações pelo fôlego breve do pá...