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12 fevereiro, 2015

Gregos radicais e iogurtes nacionais: crónicas da dúvida soberana



Deveria fazer-se crónica miúda e ilustrada das maneiras como as pessoas se agregaram em resposta às gregas ocorrências. Não estou a pensar apenas nas respostas políticas e institucionais, mais ou menos picadas pelo ferrão da helena melga que a meio da noite do austero inverno veio perturbar o sono burocrático dos ocupantes das cómodas cadeiras do consenso. Estou a pensar também nas reações do chamado “cidadão comum”, o verdadeiro habitante do parvus mundus (do latino “pequeno”, não do corrente “parvo”). E já nem falo, embora falando já, dos ermos crânios da opinião, os que tudo precisam de saber dizer por encomenda e com hora marcada, ao menos para preservação da face e do estipêndio.

Destes últimos, dificilmente esquecerei, até ao derradeiro dos meus monótonos dias, o painel de um orgulhoso canal de notícias que acompanhou as imagens da noite eleitoral emitidas de Atenas: sem que nenhum dos três “especialistas” percebesse palavra de grego, sem tradução consecutiva ou simultânea e sem legendas possíveis, nenhum deles pediu escusa de funções, nem se sentiu inibido de comentar fosse o que fosse. Como? Pedindo desde já desculpa aos animais da única expressão que me ocorre, enchendo de palha os jumentos que ficaram a ouvi-los.

Em vários canais, na mesma noite, jornalistas e enviados “especiais” lamentarem-se, quase timidamente, do facto de os chefes dos partidos gregos não falarem ao menos inglês nos seus discursos de vitória ou de derrota. Uma desconsideração, seguramente! Não sonhei, era ainda cedo e não tinha bebido ao jantar. Viram-se os ditos repórteres proverbialmente gregos e ficaram os líderes dos partidos portugueses cientes de que nas próximas legislativas vão ter que pensar em satisfazer a curiosidade das hordas de jornalistas estrangeiros, já previstos por vários analistas políticos e agências de viagens, perante a iminência de um resultado eleitoral verdadeiramente estranho em Portugal: a vitória de um dos dois partidos do costume! Porque “Portugal não é a Grécia!”, repete diariamente o trágico coro.   

Fomos, assim, incomparavelmente informados, à maneira do repórter do romance Scoop, de Evelyn Waugh, que desembarcou do comboio no país errado, mas nem por isso deixou de relatar a guerra nas páginas do jornal que o enviara ao país onde ela realmente ocorria. Os nossos comentadores e repórteres desembarcaram as ideias feitas que tinham mais à mão e entregaram às redações a encomenda. Contribuíram assim para que os seus leitores, espetadores e ouvintes se dividissem de acordo com as mesmas ideias feitas, com rótulos vazios, mas que bastam ao preconceito e dispensam estudo: radical, marxista e... sexy (conceito político que não descobri na minha estante, mas admito apropriado e relevante para avaliação objetiva das propostas gregas).   

A crónica que não se fará das diferentes atitudes relativamente ao caso helénico encontraria certamente as pessoas divididas em dois grandes grupos – como em quase tudo neste planeta, que antes era analogicamente maniqueísta e agora é digitalmente binário: as que gostaram dos resultados e esperam algo de bom e as que acham que o resultado vai dar em desgosto e temem algo de mau. Como em quase tudo o que tão simplesmente se divide, os dois grupos estarão certamente errados.

Mas que tantos tenham, simplesmente, prestado um pouco de atenção, já me diz que outras luzes se podem estar a acender, ou que a fadiga perante a ladainha com que se encantam os tolos pode, finalmente, ser mais do que uma vela acesa à espera do milagre. Ou, então, é tudo imaginação minha.


28 janeiro, 2015

Soberana sesta

Depois da EDP, da REN, da PT, da TAP, do frango assado e dos pastéis de nata, parece que a última coisa que ainda é realmente nossa – e fazemos quase tão bem como os melhores – estaria afinal para ser vendida também. E logo a única produção nacional que o Dr. Passos Coelho tem feito crescer significativamente, sem que o mérito lhe seja por todos devidamente reconhecido.

Logo agora que estava tão pimpona e se podia apresentar a estranhos sem ter que pentear a guedelha negligente, parecia que vinha aí um Mário qualquer – italiano invejoso e amigo do alheio – oferecer-se para comprar a dívida que, de tão nossa, até se chama “soberana”. O último pedacinho de Portugal que nos resta, e do qual devíamos sentir patriótico orgulho, poderia começar a desaparecer mediante a perversa troca por outra dívida com juros mais fraquinhos e fabricados em Frankfurt. Pensei eu! Afinal, o senhor só queria oferecer a massa a quem melhor a tem sabido cozinhar, os nossos muito amados bancos, que tantas maravilhas têm operado por esse mundo fora. A nossa dívida, portanto, parece garantida por muitos e bons anos e promete tornar-se uma senhora de bom porte. E que os deuses a conservem.

Só estaria ameaçada, por hipótese absurda, se nos ocorresse eleger um governo “radical”, que quisesse desfazer-se dela, ou de parte dela, assim sem mais nem menos, como os malucos dos gregos. O radicalismo do governo Tsipras manifestou-se logo na tomada de posse. Ainda antes de começar a dispensar a dívida, quase todo o governo grego dispensou a gravata e a igreja, num prenúncio claro de que pretende desfazer-se de certos nós e ortodoxias. Com tanto radicalismo, um dia destes ainda os apanham a comer bifes de soja, a usar sacos recicláveis e a governar para os cidadãos em vez de financiar os bancos.

A nossa sorte é haver sol e praias com areia suficiente para estender a toalha, porque assim podemos continuar a dormir uma longa e reparadora sesta.  

Portugal e a dívida


Instantes

1   Diziam, pela calada agonia dos instantes que eram mudos.   Julgavam-nos pela constância infinita das lamentações pelo fôlego breve do pá...