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23 março, 2013

A crise económica e a crise dos saberes: observações ignorantes e algo escatológicas sobre uma espécie de dupla recessão


Recostado na confortável cadeira IKEA que o meu generoso salário público me permitiu adquirir antes do apocalipse fiscal, ocorreu-me fazer algumas observações, que só podem ser ociosas e inúteis (como eu gosto e a minha ciência permite), sobre o país em que acidentalmente me encontro desde o dia em que nasci. Primeiro, um parágrafo a armar em culto, que é coisa que também se pode aprender sem estudar muito. 

Há na sociologia da educação um modelo teórico, chamado Teoria dos Códigos de Legitimação (Legimation Code Theory, de Karl Maton et al), que permite demonstrar (ou prever) algo que à vista desarmada se pode apenas intuir. Se me é permitido traduzir sumariamente (certamente traindo) o que o modelo nos oferece para iluminar o estado intelectual do nosso país, diria que o número de opiniões expressas - que cresceu com a crise - e a convicção com que são afirmadas são inversamente proporcionais ao conhecimento produzido - que é pior do que muitas vezes nulo, ou acompanha pelo menos o crescimento negativo do PIB. Ou seja, quanto mais são os sabedores, mais incerto é o saber.

O grau de incerteza deveria talvez ser a primeira medida do clima económico e social. A incerteza é seguramente o inimigo primeiro da tranquilidade de espírito. E agentes económicos (que somos todos nós) intranquilos (quase todos nós também), são garantia de sobressalto, de depressão e, o que é para mim mais encanitante, de um número de opiniões superior ao número de orifícios anais, mas que parece desempenhar função semelhante: a de aliviar os seus proprietários de algum lastro excrementício, para o qual o sistema não encontra proveito.

Se alguém só tem opiniões, não quero saber. Dito de outro modo: quero saber, não me chegam opiniões. Não me interessa se o opinador foi ministro das finanças, se é banqueiro ou economista, se é diretor de jornal ou apenas opinador de jornal (o elo mais baixo da cadeia alimentar, por vezes também conhecido por Camilo Lourenço, o que me parece francamente injusto, uma vez que este aprendeu pelo menos a fazer contas para dar uma aparência científica a algumas ideias feitas). Se não nos tiram desta crise, ao menos que se retirem deste filme, no qual são apenas canastrões a debitar deixas mal aprendidas.

Devo dizer, no entanto, que só tenho um problema com estes exercícios quando eles são oferecidos publicamente. Ou seja, na comunicação social, nas redes sociais, na rua, no café, no táxi, no elevador... portanto, em toda a parte onde me seja difícil evitá-los sem tapar os olhos e os ouvidos. Se há coisa que deveria ser privatizada em Portugal são as opiniões. Toda a gente deveria opinar na privada.

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