Há uma enorme tensão dramática num diálogo entre alienados com armas na mão.
A tensão é quase sempre sustentada pela ameaça iminente de um desfecho trágico.
Nos filmes ou no teatro, esse dramatismo faz parte do prazer que o espetador
procura. Na vida real, porém, talvez só alguma perversão explique por que vejo
tantas vezes o canal parlamento.
As cenas de teatro que este canal oferece são bastante repetitivas, mas nem
por isso menos assustadoras. Um destes dias, por exemplo, atiravam-se entre as várias
bancadas alguns números do orçamento para 2015 – o aumento do IMI, a fiscalidade
dita verde, a suposta impossibilidade de baixar o IRS – e vários deputados dos
partidos que se acostumaram a governar comportavam-se como se brincassem na
praia com preciosos pratos de porcelana chinesa pensando que fossem frisbees. Talvez
os pratos, que são a vida de todos nós, e para muitos já são apenas cacos,
devessem merecer um pouco mais de cuidado. As erráticas trajetórias dos pratos
voadores, nestas discussões, provocam-me sempre uma valente dor de cabeça. Às
vezes chega a ser uma espécie de violenta enxaqueca.
Como isto é tudo gente de bem, com famílias numerosas e amigos que também
se reproduzem com alguma desenvoltura, não se pode sequer dizer que os
beneficiários da governamental munificência sejam uma minoria negligenciável,
nem que os seus interesses não devam merecer o nosso abnegado sacrifício. Espera-se
de nós – deficitários na fina astúcia de ser amigos, familiares, correligionários,
clientes, ou empreendedores especializados na arte de estabelecer relações nos
círculos certos, ou em outras figuras da geometria política partidária privatizada
(PPP) – que compreendamos o défice das contas públicas, o problema da dívida externa,
o fundo de apoio à banca e o fundo de resolução do BES, funções quadráticas,
antimatéria, as profecias do Bandarra e a importância dos brócolos numa dieta
saudável. Será pedir muito?
Desconfio que foi o Bandarra quem profetizou este grande império de
espíritos tansos e que foram os brócolos que obrigaram milhares de portugueses mais
fraquinhos, e menos espirituosos, à emigração. Eu até gosto de brócolos e também
gostaria de mudar de estado, mas por este andar, só se for para o estado
gasoso. O que não seria improvável se eu fosse um banco. Afinal, conhecemos
vários casos de bancos que num dia eram sólidos e no dia seguinte passaram
diretamente a gasosos, perdendo aquela parte importante entre os dois estados
que é a liquidez, num fenómeno de verdadeira sublimação.
As cenas do teatro parlamentar não aspiram a nada de sublime. Os atores são
quase todos toscos, sejam eles figurões ou figurantes, e muitos são apenas
parte do trágico coro canino que dobra a cerviz perante a sombra do dono. O que
eles representam percebe-se. Quem eles deviam representar demora a perceber.
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