Nunca se viram tantos homens de barba. A coisa não me interessa enquanto
tendência. Não sou de modas. Já enquanto economista – doutorado a um fim de
semana pela Universidade da Internet de Baixo – e historiador especializado em
problemas capilares, a súbita multiplicação de faces hirsutas entre os meus
concidadãos do sexo masculino tem-me dado bastante que pensar.
Depois de tomar um chá e de coçar a orelha direita com a mão do mesmo lado,
fui à estante da história à procura de luz. É lá que se esconde o interruptor
do meu candeeiro de leitura. No exato momento de dar à dita, digamos assim,
acendeu-se-me o olhar com as lombadas da história inglesa e a barba refulgente
do monarca das seis mulheres. O excesso de cônjuges do oitavo Henrique, e a
maneira criativa como dissolveu os matrimónios inférteis em varonil descendência,
podem ter desviado as atenções daquele que é provavelmente o seu maior legado à
posteridade e fonte de inspiração da minha proposta para aumentar exponencialmente
a receita fiscal e resolver de uma penada o problema do défice.
(Henrique VIII por Hans Holbein, o jovem)
Em 1535, numa época em que as caras atapetadas eram tão ou mais frequentes do
que hoje, o bom do rei, proprietário ele mesmo de ruivo revestimento facial,
impôs, como se impõe, um imposto sobre as barbas. O imposto não era cego e
indiscriminado, ao contrário
do IVA que os nossos escanhoados governantes nos infligem, e tinha uma óbvia preocupação
social. Como recomendam os princípios de uma fiscalidade distributiva, era um
imposto progressivo, uma vez que variava com a posição social do barbudo.
Já a sua filha Isabel, primeira do nome enquanto rainha e fruto das segundas
núpcias, com Ana Bolena, reintroduziria o imposto, entretanto abolido, com uma variação
provavelmente mais justa, que tinha em atenção a dificuldade de adquirir
lâminas descartáveis antes da invenção dos supermercados: apenas eram
tributadas as barbas com pelo menos duas semanas de crescimento. Não se sabe
como é que os inspetores das finanças faziam os cálculos. Devia ser a olho, fazendo uso dos chamados métodos indiciários, que ainda hoje
têm muitos adeptos e se traduzem assim: o que parece, paga.
É claro que os monarcas ingleses não foram os únicos a perceber as
vantagens de tosquiar por via tributária os cavalheiros negligentes. Pedro I da
Rússia, já nos finais do século XVII, quis modernizar à força os costumes e, “em
linha com as praças europeias” (segundo redação do meu correspondente na bolsa
de detritos linguísticos), obrigou os súbditos a transportar consigo um comprovativo
de boa cobrança, sob a forma de uma medalhinha que trazia, de um lado, a águia
imperial e, do outro, além de uma representação da parte inferior da face coberta
de pelos, uns dizeres que atestavam pagamento do imposto – “dinheiro recebido” –
e a justificação lapidar da sua existência: “a barba é um peso supérfluo”. E não
é?
Já estão certamente a ver onde quero chegar e antecipo até as objeções
práticas que podem ser colocadas à proposta, que ainda mal esbocei, de
penalizar as barbas e salvar a nação das garras dos credores. Provavelmente
estão a pensar que o imposto nunca arrecadaria receita que se visse, uma vez
que os nossos enérgicos cidadãos imediatamente boicotariam a medida através de
um barbeamento estratégico. Errado, porque o meu programa tem as contas feitas
e essa não seria uma medida isolada. Para impedir a evasão fiscal por ausência
de pilosidade, seriam também tributados, como artigos de luxo, as lâminas de
barbear e todos os instrumentos passíveis de atingir fins semelhantes, como
cremes depilatórios, navalhas, machados, moto-serras e pedras lascadas.
Agora vou fazer a barba, que é o único luxo que me resta.