Se eu quisesse, escrevia hoje sobre o dilema grego. Afinal, dilema é uma palavra de origem grega, formada
pelo prefixo di-, que significa dois,
e por lemma, que significava premissa,
ou coisa recebida e aceite como verdadeira. Na lógica, dilemma era uma espécie de silogismo, no qual, de duas proposições
apresentadas, uma ou outra seria verdadeira. Mas, oxi ou nai? Na retórica,
consistia em oferecer a um opositor a escolha entre duas alternativas
igualmente desfavoráveis. Oxi ou nai? No vertente dilema helénico, a
escolha que os incríveis credores oferecem é mais ou menos a de um salteador ganancioso
que se engana nas conjunções: “A bolsa e a vida!”
E é isto a vida? É a economia? São a mesma coisa? Não parece que se trata
apenas de política ao serviço de um certo sistema financeiro? Os pobres que se
amanhem ou que saiam de baixo.
As coisas podiam ser de outra maneira, se as pessoas deixassem de achar
tudo óbvio e natural em matéria de economia. Se deixassem de aceitar os lemmas, as premissas, dos silogismos que
as leis do lucro e do mais forte impõem como “lógicos”. Mas para deixarem de
achar tudo óbvio, precisariam de estudar mais, em vez de lerem jornais ou de irem
às universidades adquirir certificados de comportamento ideologicamente correto,
por equivalência ou não. Se estudassem mais, até deixariam de achar que a
economia é a mesma coisa que o sistema económico e descobririam, talvez, que
nem uma nem outro são fenómenos naturais, como os terramotos ou os golos do
Eusébio. As coisas podiam ser de outra maneira porque são pessoas que as pensam
e que as fazem. Chama-se cultura, isso que as pessoas colhem do que em sociedade
semeiam. A economia é o que as pessoas juntas dela fizerem.
Então, e há para aí leituras para pensar sobre o mundo “fora do caixão” em
que levaram o cérebro a sepultar?* O que se poderia ler então para abrir um
pouco a janela deste sufoco ideológico? Sei lá. Talvez Debt, the First 5,000 Years, de David Graeber, para uma visão
antropológica de longo alcance histórico e cultural sobre dívidas e dinheiro, a
começar pelo mito fundador da doutrina económica, que vem de Adam Smith e que todos
os manuais de economia repetem desde 1776 sem terem investigado nada: a ideia
de que antes de haver dinheiro os negócios se faziam pela troca direta de
géneros. Parece que nunca foi assim, revelação que relativiza bastante tudo o
que se possa ler sobre “economia” (as aspas fazem já parte do meu processo de
relativização). Pelo menos, ler Graeber ajuda a pôr tudo noutra perspetiva. Não
é indiferente o lugar de onde se olha, nem é bom ignorar o lugar dos outros.
Se eu quisesse escrevia sobre o dilema grego. Mas para isso era preciso que
estivesse mais interessado em economia e em negócios, o que só seria possível
se “negócio” não fosse uma palavra de origem latina formada pelo prefixo
negativo nec- (não) e pela palavra otium, que deu o nosso “ócio”, e significava
tempo de lazer, dedicado ao descanso, à comida, aos jogos, à contemplação ou ao
estudo. Negócio? Não ao ócio? Oxi,
claro, porque hoje é sábado e amanhã é domingo.
* Esta
pergunta é uma forma de retaliação em espécie contra a estratégia retórica dos
pensadores da monocultura dominante, que consiste em chamar estúpidos a todos
os que pensam de maneira diferente.