A D. Adosinda é a minha consultora para assuntos de economia e finanças.
Destas duas coisas ela sabe rigorosamente nada, condição que a meus olhos muito
a recomenda e razão pela qual resolvi valer-me dos seus graciosos serviços. O
facto de serem graciosos, no sentido de gratuitos, também pesou um pedacinho,
vá. Desconfio, aliás, que só são graciosos porque a D. Adosinda ainda não deu
conta de que, enquanto me limpa a casa por uma remuneração modesta, me faz o favor de abafar o som do noticiário,
susbstituindo-o pela sua inestimável informação, que tem a vantagem de ser
compreensível, ainda que às vezes pareça um nadinha fora de propósito.
Hoje, por exemplo, disse-me que estivera com o deficit em Sintra! Apanhado de chofre, limitei-me a arregalar os
olhos para não entornar o café. Não sei se foi em Sintra que ele foi
oficialmente avistado pela última vez, quando alguém das finanças veio à
televisão dizer que tinha sido fortemente reduzido, mas a D. Adosinda
garante-me que ele continua um belo rapaz, adjetivação simples que me parece
traduzir o apreço da senhora por homens, digamos assim, robustos. Achei sensato
não inquirir sobre os pormenores da coisa, uma vez que nesse exato momento a
senhora se preparava para limpar o pó à jarra de porcelana que está em cima da cómoda.
As conversas com a D. Adosinda tornaram-se no momento mais luminoso dos
meus dias, desde que todos os impostos me começaram a subir como uma violenta urticária,
que me impede de sair de casa sem incorrer em despesas incomportáveis. Foi até
a D. Adosinda que primeiro me chamou a atenção para o exorbitante preço do bitoque
no snack-bar da esquina, que entretanto encerrou, e me sugeriu umas receitas
fáceis e económicas, com muito ómega 3. Esta é outra coisa que muito aprecio: o cuidado que ela revela
pelo meu nível de colesterol e tensão arterial. Desde o dia em que percebeu que
a dilatação das minhas narinas e das veias da região temporal ocorria
imediatamente após o aparecimento no écrã da televisão de uma astróloga ou de
um economista, começou a desligar o aparelho da tomada para poder usar o
aspirador.
É possível que a motivação da minha consultora não seja puramente altruísta,
uma vez que não lhe pago as horas vai já para três meses e um enfarte ocorrido
nessas circunstâncias poderia incapacitar-me para a assinatura do cheque. Nisto
a D. Adosinda tem a perspicácia dos credores do estado: faz o possível por me
manter vivo, solvente e agradecido.
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