14 agosto, 2017

Capricho





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Liu Wei

Swimmers

1997




Ah! Poder no verão esquecer
o peso da dúvida no produto interno
e bruto com dois punhos cerrados
nas queixas cair como a sombra
tarde e sem castigo.

Poder em agosto com sal
nos interstícios pousar apenas
o rabo na areia e acender no crânio
o espectro ultravioleta de um verso
e ver.

Poder ser pobre de pedir e perder menos
por ficar calado e caminhar descalço.

Poder apenas ouvir
como quem sabe.


31 julho, 2017

Uma certa queda

Escultura de Jorge Marin




Aprendi a calcular pela ponta
dos medos, sei de cor a distância entre o amor
e o quadrado das histórias, o ângulo
agudo da dor, a certa circunferência
da lembrança. Nada que me sirva
na hora de saltar.

De uma grande altura não posso ver
o local da queda, adivinho o impacto
provável, a segura indiferença dos elementos
o ar em fuga ou a asa em fogo
a solidez da água ou da terra por fim
onde posso pousar como se eu fosse dela
e minha fosse a lei da gravidade.


27 fevereiro, 2017

Tempo




Toda a gente sabe a tralha

que se acumula numa casa

como se fosse de repente.



São muitos os relógios

parados, em todas as divisões

grandes ou maiores



todos têm sempre

aquela face indiferente



e dois ponteiros

numa hora incerta.



E nunca há tempo.


20 fevereiro, 2017

O nome que não posso dizer






Podemos acordar de manhã e não ouvir falar da América. Mas é improvável. Nos dias que correm, a razão principal nem precisa de ser nomeada. E é difícil evitar a náusea pela simples menção do nome. Pensando bem, agora que o digo, o que aconteceria se a coisa não fosse mesmo nomeada? Eis a possível estratégia que acaba de me ocorrer. Qual a melhor bala para acertar no coração (não na cabeça, é preciso atingir um órgão vital) de alguém que só quer ouvir falar de si?

Imaginem o inimaginável. Acordávamos de manhã e não se ouvia palavra sobre a coisa. Nenhum jornal, nenhum canal de televisão, nenhuma estação de rádio mencionaria as flagrantes aldrabices, pueris ou criminosas, da última conferência de imprensa (até porque é difícil acompanhar o ritmo); ninguém falaria sequer da conferência de imprensa, ou do comício; nenhum comediante falaria do segundo presidente não branco da América; ou da abóbora de Halloween com um esquilo morto na cabeça; ninguém diria que Homer Simpson tem um tom de pele mais natural, um cabelo mais natural e um vocabulário mais variado; ninguém se poria a adivinhar onde teria ido ele descobrir o atentado que não ocorreu na Suécia (“ou em Leça da Palmeira, foi a informação que me deram, ou no Festival do Presunto, não sei, pode ter sido em Marte, esqueçam isso agora, já ouvi muita gente falar do assunto, vi na Fox News, os média desonestos é que não noticiam, horrível, a América ainda vai ser grande outra vez!”); ninguém diria que ele é simplesmente um velho confuso, que sofre de incontinência urinária e se levanta várias vezes a meio da noite para ir à casa de banho fazer uns tweets sobre aquilo com que acabou de sonhar. Ninguém diria sequer o nome do desastre.

Eu sei que as piadas podem servir apenas para aliviar a tensão (por isso mesmo inventei estas), mas desmontar todos os dias aquele sinistro aparelho de asneiras é a obrigação de quantos saibam, e possam, defender-nos do monstro. E também acalento a esperança de que, mais tarde ou mais cedo, o grotesco da coisa, o ridículo da coisa ou o tremendamente aterrador da coisa acabem por livrar o planeta da maior ameaça à sobrevivência das espécies desde que um cometa acabou com os dinossauros. Mas espero sentado. Espero sentado e olho com horrorizado fascínio para o espetáculo daqueles que o toleram, daqueles que o justificam e daqueles que o defendem. Já vimos isto antes? Será esta a farsa em que a história, imperfeitamente, se repete? Se é farsa, francamente, não estou muito divertido. Apenas espero, sentado e impotente espero, enquanto olho em pânico aqueles que usam o fantoche para executar políticas odiosas e catastroficamente ignorantes.

Nem sequer queria escrever sobre ele, porque tenho medo de ver regressar a minha última refeição. Evitar o nome serviu, pelo menos, para completar a digestão em segurança. E pergunto-me: o que aconteceria se todos ignorassem o Narciso?

Entretanto, aguardo também ansiosamente pelo dia de abril em que será lançada a obra de Howard Jacobson mais rápida de sempre. Jacobson diz que escreve devagar, mas parece que o horror em curso lhe apressou a pluma, da mesma maneira que tem inibido a minha (se fosse ao contrário seria pior). Pelo menos por algumas horas não deverei precisar de medicação para os nervos. E também ele evitou escrever a palavra feia!



Pussy

Pussy é a história do Príncipe Fracassus, herdeiro do Ducado de Origen (famoso pelos arranha-céus e casinos com portões dourados), que passa a juventude a ver reality shows na televisão, a imaginar que é o Imperador Nero e a fantasiar com prostitutas. É preguiçoso, gabarolas, hipersensível e egocêntrico; não tem educação, nem curiosidade, nem conhecimentos, nem ideias, nem palavras para as exprimir. Será ele, nesse caso, o líder certo para tornar o país grande outra vez?



Instantes

1   Diziam, pela calada agonia dos instantes que eram mudos.   Julgavam-nos pela constância infinita das lamentações pelo fôlego breve do pá...