Arde calma a culpa
como a tarde cai.
Arde melhor
o que não podes ver.
Por baixo da terra atos
omissões.
O amor que não vês
também arde melhor.
Devagar
sob cinzas
aquece a casa
quando o coração anoitece.
Arde calma a culpa
como a tarde cai.
Arde melhor
o que não podes ver.
Por baixo da terra atos
omissões.
O amor que não vês
também arde melhor.
Devagar
sob cinzas
aquece a casa
quando o coração anoitece.
Marc Chagall, Homenagem a Apollinaire (1912)
Sabemos pouco e sonhamos mal
e nesta abundante insuficiência cabe bem
a vida breve, os dias sem rasto
sem rosto de gente, sem o abrigo
dos abraços.
Quantos enganos fazem as nossas certezas
de que luz precisa a noite dos encontros.
Se achares respostas
guarda nesta caixa uma dúvida
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Simon Madrac, Man at Window |
sentimental vamos chamar-lhe
porque perdia na guerra e no amor
sem aprender que sentido pode ter
desejar de outros a derrota
vamos supor a existência dos sonhos
do universo alternativo das noites de paz
perturbadas apenas por poemas e canções
vamos chamar-lhe sentimental
porque nos dias da peste
das cidades cercadas
abria de madrugada a janela e tomava
longamente sozinho um curto café
e não sentia o que faltasse
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Chiharu Shiota, A Room of Memory, 2009 |
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Daniel Silver, "Wade and Chris", 2018 |
os versos que te escrevo existem (como se
tu
existisses) entre espaços vagos
não vazios
derivam do silêncio todos os sentidos
o que dizem é maneira de fazer
(a boca os braços o abismo)
a língua numa ferida
isto não é sobre sentir sobre falar
é a distância de um abraço
1 Diziam, pela calada agonia dos instantes que eram mudos. Julgavam-nos pela constância infinita das lamentações pelo fôlego breve do pá...