Podemos acordar de manhã e não ouvir falar da América. Mas é
improvável. Nos dias que correm, a razão principal nem precisa de ser nomeada.
E é difícil evitar a náusea pela simples menção do nome. Pensando bem, agora
que o digo, o que aconteceria se a coisa não fosse mesmo nomeada? Eis a
possível estratégia que acaba de me ocorrer. Qual a melhor bala para acertar no
coração (não na cabeça, é preciso atingir um órgão vital) de alguém que só quer
ouvir falar de si?
Imaginem o inimaginável. Acordávamos de manhã e não se ouvia
palavra sobre a coisa. Nenhum jornal, nenhum canal de televisão, nenhuma
estação de rádio mencionaria as flagrantes aldrabices, pueris ou criminosas, da
última conferência de imprensa (até porque é difícil acompanhar o ritmo);
ninguém falaria sequer da conferência de imprensa, ou do comício; nenhum
comediante falaria do segundo presidente não branco da América; ou da abóbora
de Halloween com um esquilo morto na cabeça; ninguém diria que Homer
Simpson tem um tom de pele mais natural, um cabelo mais natural e um
vocabulário mais variado; ninguém se poria a adivinhar onde teria ido ele
descobrir o atentado que não ocorreu na Suécia (“ou em Leça da Palmeira, foi
a informação que me deram, ou no Festival do Presunto, não sei, pode ter sido
em Marte, esqueçam isso agora, já ouvi muita gente falar do assunto, vi na Fox
News, os média desonestos é que não noticiam, horrível, a América ainda vai ser
grande outra vez!”); ninguém diria que ele é simplesmente um velho confuso,
que sofre de incontinência urinária e se levanta várias vezes a meio da noite
para ir à casa de banho fazer uns tweets sobre aquilo com que acabou de
sonhar. Ninguém diria sequer o nome do desastre.
Eu sei que as piadas podem servir apenas para aliviar a
tensão (por isso mesmo inventei estas), mas desmontar todos os dias aquele
sinistro aparelho de asneiras é a obrigação de quantos saibam, e possam,
defender-nos do monstro. E também acalento a esperança de que, mais tarde ou
mais cedo, o grotesco da coisa, o ridículo da coisa ou o tremendamente
aterrador da coisa acabem por livrar o planeta da maior ameaça à sobrevivência
das espécies desde que um cometa acabou com os dinossauros. Mas espero sentado.
Espero sentado e olho com horrorizado fascínio para o espetáculo daqueles que o
toleram, daqueles que o justificam e daqueles que o defendem. Já vimos isto
antes? Será esta a farsa em que a história, imperfeitamente, se repete? Se é
farsa, francamente, não estou muito divertido. Apenas espero, sentado e
impotente espero, enquanto olho em pânico aqueles que usam o fantoche para
executar políticas odiosas e catastroficamente ignorantes.
Nem sequer queria escrever sobre ele, porque tenho medo de
ver regressar a minha última refeição. Evitar o nome serviu, pelo menos, para
completar a digestão em segurança. E pergunto-me: o que aconteceria se todos
ignorassem o Narciso?
Entretanto, aguardo
também ansiosamente pelo dia de abril em que será lançada a obra de Howard
Jacobson mais rápida de sempre. Jacobson diz que escreve devagar, mas parece
que o horror em curso lhe apressou a pluma, da mesma maneira que tem inibido a
minha (se fosse ao contrário seria pior). Pelo menos por algumas horas não
deverei precisar de medicação para os nervos. E também ele evitou escrever a
palavra feia!
Pussy
é a história do Príncipe Fracassus, herdeiro do Ducado de Origen
(famoso pelos arranha-céus e casinos com portões dourados), que passa a
juventude a ver reality shows na
televisão, a imaginar que é o Imperador Nero e a fantasiar com prostitutas. É
preguiçoso, gabarolas, hipersensível e egocêntrico; não tem educação, nem
curiosidade, nem conhecimentos, nem ideias, nem palavras para as exprimir. Será
ele, nesse caso, o líder certo para tornar o país grande outra vez?