George Shaw, Where First and Last Things Sound the Same, 2009 |
Primeiros dias de primavera, lembras
os sinais de lume quando a manhã
levantava o céu e pelo chão molhado
escorria um sol de ressaca que arrastava
as sombras da rua até ao fim.
E não havia fim, ninguém
queria fugir, a cidade inteira passava
distraída, as tardes eram iguais
e ao contrário de iguais, infinitamente
previsíveis e improváveis, não sabíamos
contar, não tínhamos razão, queríamos
futuro nenhum, amor talvez.
E de que serve saber o que se quer
quase nada é como se quer. Tomados
de surpresa caminhámos juntos
até onde o ardor calhou, junto ao mar
bebemos chá, falámos horas sem fio, choveu
ao fim da tarde e vimos como filme esquecido
o anoitecer da alma. Ainda assim sorrias
e era como se os lilases na terra morta
rebentassem outra vez.