11 novembro, 2015

Fantasmas


Conheço gente que vive em casas assombradas. Há mesmo tanta gente que vive em casas assombradas, como descobrimos nas últimas semanas em Portugal, que mais parece que vivemos num país assombrado. Geralmente não se fala disso, porque os fantasmas se tornaram tão familiares que, em circunstâncias normais, já ninguém repara. Mesmo se há visitas respeitáveis em volta da mesa de jantar, a assombração entra na conversa e nada de especial acontece. É como se o fantasma fosse de casa.

E é de casa. Todos os fantasmas têm casa. Não há fantasmas sem-abrigo. Mas onde os fantasmas em que estou a pensar, aqueles que existem mesmo, realmente se abrigam, não é entre quatro paredes e debaixo de um teto nas casas de tijolo e de cimento, mas no interior de crânios hospitaleiros. Digo de propósito crânios, e não cérebros, porque a materialidade destes fantasmas rouba algum espaço vital à massa de neurónios. A sua grande habilidade, que lhes garante a sobrevivência enquanto espécie, consiste no facto de terem uma grande semelhança com ideias e pensamentos normais.

Para não matar de cansaço a metáfora, ou hesitando já na analogia, como quem indecide o que vestir de manhã, talvez fosse melhor falar de ideias parasitas, em vez de fantasmas. Não sei bem. Observo apenas que as interessantes semanas que mediaram entre as eleições de 4 de outubro e a rejeição do governo Coelho-Portas, pela maioria dos deputados que os votos dessas eleições levaram a S. Bento, revelaram uma quantidade tão grande de reações reflexas, histéricas ou simplesmente idiotas que sobrou pouco espaço para ouvir comentários objetivos e serenos. Escutando a gritaria, e se não soubesse muito bem como a gente das políticas é dada a hipérboles do tamanho das birras do Deus do Antigo Testamento, poderia até pensar que estava iminente uma revolução comunista, com a nacionalização relâmpago de todos os sectores da economia, o fuzilamento dos grandes capitalistas e a proibição da Coca-Cola.

Ora, se bem vejo o que já mal posso ouvir, a probabilidade de os partidos da esquerda portuguesa fazerem uma nova Revolução de Outubro é quase tão grande como a do regresso da Inquisição por iniciativa dos democratas-cristãos do CDS-PP, com fogueirinhas para queimar hereges depois da missa: nenhuma delas é absolutamente impossível, mas a sua probabilidade está muito próxima do zero. Poderia aqui fazer uma demonstração histórico-matemática, mas prefiro acreditar na inteligência dos meus acidentais leitores, que talvez habitem o mesmo século que eu e já devem ter procedido à limpeza do sótão que a higiene mental impõe.


Acho que quase toda a gente exagera bastante a importância dos acontecimentos. Uns sentem agora mais esperança, outros entram em desespero, mas quase todos parecem subestimar o poder do tempo, a indiferença do cosmos e a incompetência que geralmente nos salva dos grandes desígnios. Não tarda muito, o país regressa à mediocridade em que nos sentimos todos mais confortáveis. A não ser que haja um terramoto…   

Instantes

1   Diziam, pela calada agonia dos instantes que eram mudos.   Julgavam-nos pela constância infinita das lamentações pelo fôlego breve do pá...